sábado, 7 de janeiro de 2012

Breve comentário sobre a vida

"E o vento vai levanto tudo embora..." Renato Russo, Vento no Litoral

    As árvores adoecem e são derrubadas. As pessoas nascem. Os pilares ruem, as casas são reformadas, pessoas mudam de endereço, pessoas morrem, de velhice, de doença, de chofre. Crianças são geradas. A casa se esvazia. Pessoas regressam a seu lar, a casa se enche de risos, gritos, solicitações. Essa é a dinâmica. 

    Não há tristeza que dure para sempre, nem alegria sem fim. As irmãs Monte dão depoimento sobre esta Verdade. A matriarca que faz falta, as crianças que chegam para alegrar a casa. O companheiro que deixa saudades, o que me merecia um castigo, outro que ora está aqui, ora acolá.

    Infelizmente as agendas incompatíveis, o tempo estendido, a ausência de uma personagem.

    Lembranças das paqueras, da construção de obras importantes na cidade, dos bailes de carnaval, das fugas, dos namoros. Bons tempos que elas sabem contar melhor.

Ana Paula Sá

Quem nunca sonhou junto com o palhaço?

A alegria do palhaço é quando o circo pega fogo.

     "Pegar fogo" ou "ver o circo pegar fogo" são expressões ainda usadas, ao menos no meu cotidiano. Dia desses, talvez por um trabalho escola, uma criança da família nos indagava em busca de ditos populares. Este passou batido, creio, embora seja expressão muito utilizada por minha mãe. Tem gente que gosta de ver o circo pegar fogo, tem gente que põe lenha na fogueira e tem criança que, em companhia certa (ou em certas companhias), pega fogo, não é verdade?

    Dias atrás entrevistamos o palhaço Pinóquio, que proferiu a frase inicial.

    É cada vez mais frequente encontrarmos discursos sobre a decadência dos circos e seus artistas. Lembro de alguns espetáculos vistos em 2011 sobre o tema: Palhaços, o reverso do espelho, com Sóstenes Vidal e Williams Sant'Anna, dirigo por Célio Pontes; O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, com Andrêzza Alves e Gilberto Brito, dirigido por Carlos Carvalho; A Céu Aberto Circo Pano de Roda Lona Estrela Boca Calada, encenado pela Cia. 2 em Cena, dirigido por José Manoel Sobrinho; Porque a criança cozinha na polenta?, encenado pela Cia. Munguzá de Teatro, dirigido por Nelson Baskerville - aparecendo a decadência do circo apenas com estopim para uma trama mais complexa e alheia a este espaço.

     Na contramão da decadência, encontramos a Cia. Circunstância (MG), com espetáculos de rua que exaltam a magia e a alegria do circo e seus componentes. Vale a pena conferir http://www.ciacircunstancia.com.br/
    
    Recentemente nos cinemas, O Palhaço, filme de Selton Mello, narrativa bela sobre o universo circense e artístico. Parabéns ao Selton Mello pela  sensibilidade na criação.

    Ao largo das releituras em espetáculos, Recife recebeu, ao longo do ano, diversas temporadas de circos nacionais e internacionais. Apesar das dificuldades, o que vemos é que os circos continuam encantando e atraindo público. 

    Após a conversa com Pinóquio, ou melhor, com Josué Pereira de Souza, certa curiosidade pelo "pano de roda" me assaltou com mais afinco, ao mesmo tempo que se instalou a alegria de saber ainda haver interesse por mágicos, palhaços, malabaristas. Esse universo lúdico e fantástico, com maior ou menos requinte, com certeza é responsável por boas lembranças, pelo estímulo a ir mais longe. Fugir com o circo pode ser real ou metafórico.

    E o palhaço o que é?

Ana Paula Sá

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Das coisas que são lembradas e esquecidas, ou o inverso

"... se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida." (Chico Buarque. Leite Derramado. 2009, p.184)

      Com este mote de Chico Buarque, comento um tema sugerido para este trabalho, entretanto, abandonado antes mesmo de ser aceito: Alzheimer. É fácil encontrar pessoas vitimadas por esta doença, há médicos especializados em tal, quase todas as famílias com idosos apresentam um caso clínico. Por esta razão o mal tem se tornado elemento de comentários em bate papos, palestras, fóruns sobre envelhecimento e qualidade de vida, até mesmo tem logrado espaço no campo artístico. Embora não tenhamos elencado nenhum entrevistado(a) diagnosticado, o pensamos e, entre os elencados ditos saúdáveis, há o "alemão" espreitando ou já instalado em parentes.
       A epígrafe que abre esta postagem é fala de um personagem acometido pelo mal, no texto de Chico Buarque. Este Eulálio narra no texto suas memórias, em um presente idoso que se mescla ao passado reiteradamente. Os deslocamentos no discurso da personagem reproduzem as tramas não lineares dos pensamentos e memórias. Curioso que, ao longo de nossas entrevistas percebemos nos entrevistados a tentativa árdua de organizar linearmente suas memórias ou, ao menos, o discurso sobre as mesmas. "Começar do começo", pelo que aconteceu primeiro foi algo que todos - sem exceção - fizeram. Obviamente, por se tratar de depoimentos e não de ficção, nas ocasiões em que foi necessário repetir a resposta, em virtude de algum problema técnico - interrupção externa, barulho no ambiente, variação de luz - as memórias já não se repetiam na íntegra. Algo se perdia, algo era sintetizado, o entusiasmo já não era o mesmo. (É uma pena só ter uma câmera)
       Foi apostando nestes lapsos e reconexões que a Cia do Hiato (SP) criou o espetáculo O Jardim, apresentado em Recife durante o Festival Recife do Teatro Nacional 2011. O enredo apresenta as memórias de uma senhor com Alzheimer, a vida presente de um certo Thiago, a neta do Thiago falando sobre a destruição da casa de seus antepassados, consequentemente, destruição também de sua memória. Explorando os ecos, os hiatos, a lógica não cartesiana, o espetáculo utiliza da simultaneidade de certas cenas (e dos tempos) e permite que a plateia escolha por onde começa sua versão - dependendo de onde você senta, varia o tempo que você acompanha primeiro. É necessário assistir! (Não à tôa o diretor foi premiado pela APCA) http://www.youtube.com/watch?v=RCn0eAX3ORs
       Pincei uma fala para escrever um texto para o blog: "As coisas duram mais que a gente." Minha memória também falha e pode não ter sido assim, mas foi neste sentido.
      Realmente é doloroso que as coisas durem mais que as pessoas, mas isto também pode significar que alguma parte das pessoas permanece enquanto duram as coisas. Todas as obras de arte e objetos ou invenções, ou descendentes, criados ou produzidos por autores que, a parte de suas obras, já não vivem mais.
      Na mesma feliz semana que vimos O Jardim, ouvimos Marina Colassanti (II Mostra Sesc de Literatura Contemporânea - Sesc Santa Rita) dizer que escritor escreve numa tentativa de resistir ao tempo, de durar mais do que o pouco que lhe é dado viver, e, aos setenta anos, esta senhora se diz  consciente de ter menos tempo que o já passado. Esperanças e desejos para o futuro: receber a morte sem amargura.
     Para fechar este texto já sem pé nem cabeça, perdido entre o começo e o fim, a fala de um Pinóquio "Eu sou feliz, porque sei que vou morrer. Se não soubesse, talvez não fosse feliz."


Dedicado a Meire.

Ana Paula Sá

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um poeta não morre no dia em que falece


"Creio com crença que não se aprende a ser poeta.
Não conheço poeta que antes não o tenha sido.
Porque é coisa do espírito, este é a sua fonte.
Aprende-se a fazer versos, não a ser poeta.
Porque o poeta, com o seu espírito, é anterior ao seu verso."
Geraldino Brasil

Em 1996 nos perdemos de Geraldino Brasil. Lá se foi o poeta. Cá ficamos nós. Muitos, inclusive, ignorantes da perda. Se ainda vivo, seria um forte candidato a participar de nosso documentário, contar suas lembranças, recitar sextinas, falar das coisas vistas e vividas.  
Não o conheci pessoalmente. Na verdade só soube de sua existência no dia do falecimento. Eu tinha nesse tempo pouco mais de vinte anos. Mas lembro de ter ficado bastante comovido com as várias homenagens que lhe fizeram os amigos no Diário de Pernambuco e Jornal do Commércio. Sempre falas emocionadas, pungentes, doídas. Eles sabiam dimensionar o tamanho do prejuízo.
Um desses textos-tributo era intitulado, se não me falha a memória, “Um poeta não morre no dia em que falece” (sabe Deus quem era o autor), sobre o fato de uma pessoa só morrer realmente no dia em que morre a última pessoa que dele se lembrar - filhos, netos, amigos, conhecidos, parentes, vizinhos, o padeiro, o dono da quitanda. Ou talvez nem assim por que pode muito bem ocorrer de um tataraneto contar aos seus netos uma história ou poema de Geraldino. E isso seria, de certa forma, mantê-lo ainda vivo, mesmo que de forma atenuada. Como uma pedra sacudida no lago gera círculos concêntricos, assim a data de morte gera uma reação através do tempo que só se dissipa num futuro indeterminado.
Morrer totalmente é ser completamente olvidado.
Se considerarmos que um documentário estende para o futuro a imagem de alguém (que não é de maneira nenhuma a pessoa, mas deixa ali naqueles poucos instantes um semblante, uma voz, um movimento, um olhar, uma cor, uma melodia), podemos daí inferir que a morte, para os participantes de um filme, não é de todo vitoriosa.
Pensemos em alguém que permanece, mesmo ausente. Chaplin, por exemplo, em “O Garoto”. Rimos e choramos com as peripécias de um homem a tomar conta de uma criança que não é sua no começo, mas que se torna muito sua na medida em que o filme caminha para o fim. Não estamos diante do Carlitos. É só uma imagem, o registro magnético-mecânico, mas que salvaguarda para nosso deleite traços, trejeitos e ações do homem que jamais conhecerei.
Claro, uma obra audiovisual não é a mesma que uma literária. Mas não estamos aqui falando das diferenças. Mas das semelhanças. Num filme de Chaplin ou num poema de Geraldino está salvaguardada a luta contra o esquecimento e assim, portanto, contra a morte.

Quiercles Santana.

Para quem quiser conhecer um pouco mais do poeta alagoano radicado em Recife é só acessar:


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Folha em Branco


Se Sherazade, ao invés de contadora de histórias fosse escritora, teria imaginado tantos contos, em tão curto espaço de tempo? Um conto por noite seria possível, se ao contrário de narrar ela tivesse escrito? Quantas noites levaria refazendo cada uma das narrativas, procurando acessar o indizível por meio de palavras?
A folha em branco é um desafio permanente. Plena de possibilidades, rejeita a virgem brancura porque quer ser mais, quer marcas, traços, garatujas, impressões. 

De olho fixo na página em branco, na sua alvura ímpar e provocadora, o desenhista e o pintor imaginam cores, linhas, desenhos, figuras e paisagens. No caso do escritor, ele também pensa em figuras e paisagens, que devem ser produzidos por meio do ajuntamento poético de letras, palavras, frases, parágrafos, páginas, episódios, capítulos, tomos, volumes.


O vazio da página inquire sobre o ser do escritor, sobre as suas impressões de mundo.


Escrever é de novo um recomeço. E no recomeço há essa indagação peremptória: O que há para se contar? No que pode ser isso melhorado? E isso requer refazer, burilar, lapidar, polir, melhorar, aperfeiçoar a textura do texto, o tecido da trama, o traço.


“Ao escrevermos”, disse Deleuze, “como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro”.
Quiercles Santana

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Prazeres da vida


Acendedor de lampião de rua, telegrafista, abridor manual de comportas, pianista de filme mudo, datilógrafo, consertador de guarda-chuvas... algumas profissões desapareceram definitivamente. Outras estão em vias de sumir. Mas não se inclua nem numa categoria nem na outra o ofício de parteira.
As parteiras, não. Elas estão em alta. Dona Prazeres que o diga. Senhorinha com mais de 70 anos, quase não conseguimos entrevistá-la. Vive batendo perna por ai, ajudando nas dores, a Prazeres. A mãe era parteira. Deu para ser parteira também, tomou gosto ainda nova. Depois que o marido morreu, depois que se aposentou como enfermeira, foi dedicar a vida na lida de ajudar as mães nos trabalhos de parto.
Que grata surpresa encontrá-la semana passada em sua casa em Sucupira! Toda sorridente e falante, abriu o coração, a sua história e riu, chorou, filosofou, viajou até a infância, contou histórias que noutras se entrelaçam, mostrou suas plantas, suas mãos, sua vida de puxar outras para dentro da maior, da que tem "V" maiúsculo. Mais de 5.000 pessoas vieram ao mundo com a ajuda dela.
Foi um prazer, Prazeres! Foi um prazer!
 Quiercles Santana
http://www.youtube.com/watch?v=DfAh_mR5rV8

A ONDE VAMOS

Depois de alguns ensaios, no final de outubro realizamos entrevista com Zezé Lemos - mãe, professora aposentada, "não-artista", como ela se definiu, andarilha convicta, no meu entender.
Como Zezé chegou nessa história nossa? Estávamos na Fenearte 2011 e paramos para observar uns quadros. A simpática senhora veio de lá e emplacou uma conversa conosco, de como começou a pintar depois que se aposentou, apresentou as obras de sua filha, Luciana - iluminada duas vezes no nome - e nos conquistou. Um cochicho entre Quiercles e eu, o convite feito e aceito.
Entre julho (o convite) e outubro (a realização), muitas andanças, de ambas as partes-  Zezé com suas pinturas, exposições, viagens; a equipe do Ruas e Quintais - como abreviada e carinhosamente chamamos o projeto - com nossas idas e vindas junto ao Conselho (Municipal de Cultura - Salve Rita de Cássia Nery), com relatórios, solicitações, contratação de equipe, filmagens várias.
Nesse "ensaio" de agendamento da entrevista me perguntei muito a respeito do que passaria no imaginário daquela senhora: receber em sua casa pessoas desconhecidas. Quantas? Cinco. Seria um assalto, um trote, pessoas bem ou mal intencionadas?

Há perguntas recorrentes, por parte dos entrevistados ou parentes: terão acesso a este material? Onde isso será divulgado?
Quando percebem, então, que será exibido em cinema - porque esta é uma das nossas intenções - ficam desconfortáveis, julgam não haver motivos suficientes para isso. O que teria de extraordinário em suas histórias? Não tenho resposta. Apenas mais uma pergunta: há algo mais extraordinário, e ordinário ao mesmo tempo, que nascer, crescer, viver, contar e ouvir histórias, ser personagem, diretor, dramaturgo da própria vida?
Zezé é mais uma das figuras simpáticas que coletamos em nossas jornadas e, espero, como a própria disse, que não nos percamos nos caminhos. Então, fica o convite para viajar nos caçuás que a trouxeram a Pernambuco, pular a janela da sala de aula, fugindo da palmatória, ver o mar pela primeira vez, pescar no Rio Una, andar de jangada feita do tronco da bananeira, reconstruir o mundo através de suas tintas. 
Chamem os artistas.
Ana Paula Sá

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A pensar

         Há mistério nas coisas, mesmo nas mais cotidianas e banais. A linguagem, por exemplo, não deixa de ser um, mesmo sendo um instrumento por nós usado incessantemente, mesmo estando todos mergulhados nela até o âmago. Mas isso não esmaece o mistério, pelo contrário apenas o amplia. Vejamos como um homem submerge em suas reminiscências e traz, por meio da linguagem, imagens nuançadas de sua infância; como ele vê e, por meio da fala, nos faz ver também o que somente ele presenciou: outros dias, outras vidas, outras paisagens e pessoas.
        As narrativas produzem sentido e conhecimento do mundo por meio da linguagem. Ela nos torna também sujeitos das ações que nos são narradas, nos atraem em suas tramas, nos comovem, nos sobrepujam, nos enlaçam. Dimensões espaciais e temporais nela fazem ninho e nos aninham; quando nos damos conta, lá vamos nós embarcados em outras águas.
       De súbito, não estamos mais na sua sala de estar. Corremos com ele pelas ruas poeirentas, pescamos com ele no inverno piscoso, jogamos bola, presenciamos o amor palpável pelo pai, a emoção nos instantes derradeiros da mãe tuberculosa, quando só contava oito anos, passeamos nos ônibus puxados a cavalo, pegamos com ele o trem matutino, comemos com ele o pão, descobrimos com ele o esquecimento do documento valioso, compartilhamos de suas angústias, medos e esperanças.
       A uma narrativa os gregos davam o nome de Mythos (enredo, trama, intriga). Uma história é um registro de jornada (cômica ou trágica ou tragicômica), que ora nos faz rir, ora nos faz chorar (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Estudiosos se debruçaram sobre o fenômeno: Propp, Lévi-Strauss, Greimas, Ricoeur, Barthes... Mas quem chegará a um veredicto correto, perfeito, exato? As narrativas são mediações entre dois momentos: um ponto de partida e outro de chegada. Sim, sabemos, mas isso explica muito? Esclarece tudo?
       Não.
       O que não dá, contudo, é para ignorar que - como agora, frente a frente com o ex-padre Reginaldo Veloso, no Morro da Conceição - um homem se identifica com a sua história, um homem na verdade é a sua história, com tudo o que isso possa implicar: diversidade de circunstâncias, objetivos, iniciativas, indecisões, perspectivas, tomadas de decisão, arrependimentos, reviravoltas e conseqüências delas decorrentes.
       “Vejo nas intrigas que inventamos o meio privilegiado mediante o qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa, informe e, no limite, muda” (Paul Ricoeur).
       Não dá para discordar. Ou dá?


Quiercles Santana

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A partir de nossos quintais

          Já falamos aqui sobre a dificuldade de escolher os entrevistados e as apreensões que isso nos trouxe. Felizmente, algumas destas já foram superadas, vez que as entrevistas começaram a ser realizadas desde o início deste mês. 
         Uma estratégia nossa de superação dos obstáculos foi iniciar pelos mais próximos, de modo que havendo problemas no decorrer da captação poderíamos retornar sem maiores impecilhos.
        Normalmente atribuímos aos que nos são próximos o título "de casa", mas neste caso, "de casa" não é apenas uma expressão corriqueira, reflete a realidade. Nossos primeiros entrevistados, dona Francisca e seu Pedro, são realmente nossos, dos nossos lares, de nossas vidas, guardiões de um passado também nosso. A mãe e o avô; a avó e o bisavô; a índia das matas e o moleque praieiro. Duas figuras com muitas histórias, trazendo em comum a passagem por várias casas, vários pousos, a migração para a capital, com suas descobertas. Histórias tecidas desde tempos, agora prestes a serem entrelaçadas por nossas mãos.
         Saindo um pouco dos nossos quintais, vamos à Universidade, encontrar o professor Miguel Espar, e vejam como as teias são tecidas sem que percebamos - ele foi professor de mais de uma pessoa de nossa equipe, as quais, anteriormente, não se conheciam. É em seu local de trabalho que Miguel nos recebe generosamente e compartilha - essa palavra parece fazer bastante sentido em seu discurso - conosco parte de sua bagagem.
         Por enquanto só podemos divulgar fotos e minúsculos fragmentos das entrevistas, o que já vai aguçar a curiosidade, tenho certeza. Do mais, muita histórias ainda vêm por aí. É só aguardar e conferir.
http://www.youtube.com/watch?v=uO0mWLAlWAs
http://www.youtube.com/watch?v=FQ-CxRzaPJM
        
        Ana Paula Sá

Neófitos

       O meu interesse particular pelo The Beatles não se deu pelos discos, mas por uma antológica passagem do filme Ferris Bueller's Day Off (EUA-1986),de John Hughes, que aqui no Brasil ficou conhecido por Curtindo a Vida Adoidado e virou febre entre o público adolescente da época.
           Por causa da canção Twist and Shout, cantada numa parada alemã, pelo Matthew Broderick, foi o que me levou, quatro anos mais tarde a me deparar frente a frente com o Imagine (EUA-1988), de David L. Wolper e Andrew Solt, ainda no Ensino Médio, em uma escola da periferia do Recife, veiculado em VHS, durante uma aula (pasmem!) de Geografia.
Talvez por isso é que, na medida em que os anos escoavam, fui nutrindo uma paixão crescente, não tanto pelo The Beatles, mas por aquele modo distinto de narrativa: pessoas com histórias reais, perdas e danos reais, alegrias e dramas reais.
           Ao longo dos últimos decênios, cavoucando aqui e acolá, descobri outros realizadores, como Eduardo Coutinho, Joris Ivens, Robert Flaherty, Walter Ruttmann, João Moreira Salles, Vladimir Carvalho, etc. E cada vez mais fui me interessando pela área.
           Se então já estava envolvido com o teatro e me mantinha atento na forma como os encenadores trabalhavam duro para transpor para o palco as mais diversas dramaturgias, os documentários se transformaram, por sua vez, em um forte instrumento de pesquisa para o meu trabalho tanto como ator como encenador.
          Contudo, nunca me vi como realizador... até a semana passada.
          Pela primeira vez na vida, tive a alegria de gravar a primeira entrevista do primeiro documentário do qual participo. O trabalho, uma série de depoimentos de cunho memorialísticos, constitui uma seara nova para nós, os idealizadores. Estamos muito felizes, mesmo sabendo que o percurso daqui até o fim é ainda muito longo.
          Venham sempre aqui, no blog (Contos Ruas Casas & Quintais), confiram as fotos e vídeos postados, acompanhem, troquem ideias conosco, perguntem, participem. Será um prazer.

http://www.youtube.com/watch?v=PjVbsYzHKDc    

          Quiercles Santana

domingo, 18 de setembro de 2011

Os Nossos

Ainda não começou, mas já está em andamento. Não tem produto, mas tem trabalho (a ponto de gerar este post). O primeiro passo demos há alguns dias: escolher. Tarefa que mexe com a gente, pois, numa infinidade de possibilidades, escolher uma é descartar todas as outras. E quão cruel é isto quando falamos em pessoas, memórias, histórias.
Selecionamos possíveis entrevistados, em número menor do que desejávamos, em quantidade maior que o razoável para o tempo de trabalho que temos.
"Possíveis" porque é nosso interesse compartilhar com tais sujeitos, ao mesmo tempo que não há certezas sobre tais possibilidades, pois
  •  não sabemos se todos estes personagens estão vivos - há alguns que ainda sairemos no encalço - tampouco sabemos se nos próximos dias ainda estarão/estaremos; (Digressão: Ao tratarmos da memória sobre o passado, aparentemente na ótica de uma vida próxima ao fim -  considerando que o tempo que já se caminhou é maior do que resta a caminhar - , perguntamos inevitavelmente quanto de caminho ainda há para eles e para nós mesmos.)
  • não os consultamos previamente - a maioria - quanto ao seu interesse em compartilhar conosco suas memórias;
  • não temos a certeza que acessaremos as histórias dos fulanos e fulanas que tanto nos instigam;
  • por último: a câmera, presença nem sempre gentil aos olhos depoentes.
Embora, é verdade, alguns são generosos e já nos brindam cotidianamente, de forma espontânea - como não viajar nas descobertas urbanas da d. Francisca ou nas travessuras infantis do s. Pedro?
São estes cosmos que nos movem nesta pesquisa. Estes topos que nos alicerçam.
Quanto aos personagens desta nossa narrativa mosaica, ao longo do processo de coleta, iremos apresentando os fulanos e fulanas de nossa caminhada. Sim, quase todos caminharam ou caminham conosco, ao menos cruzamos trilhas, breves que sejam. E é por esta razão que os selecionamos, por já termos sido tocados por suas histórias ou personas, divertidas, curiosas, esdrúxulas, supreendentes, comoventes e cheias de alma, quase sempre ocultas no dia a dia das casas e famílias comuns do Recife.
Que esta pequena seleção seja imensa.
Até os próximos dias.

Ana Paula Sá

sábado, 17 de setembro de 2011

Vasculhando no Outro

 Teatro não precisa a priori ser narrativo, não necessariamente tem de contar uma história. Está aí o chamado Teatro Pós-Dramático (nos ocuparemos mais detidamente sobre ele em um futuro artigo), cuja poética se detém antes em passar para o primeiro plano os elementos plástico-visuais do espetáculo - ou seja, a luz, o movimento, a música, as cores, recortes de textos, a proxêmica, a cinésica, os objetos, máscaras, as sonoridades, etc., - do que propriamente contar um enredo, desenvolver uma trama, no sentido mais clássico do termo.
            Não negamos essa possibilidade de criação (quem quiser se aprofundar no assunto deve consultar O Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann, recentemente publicado pela Cosac & Naif), contudo, o foco de nosso interesse é de fato a narratividade, mais especificamente o memorialístico. Por isso, o público-alvo é gente já vivida, com lembranças de paisagens que se transformaram com o passar do tempo e que hoje compõem o nosso cenário citadino. Essas histórias, essas reminiscências, servirão de estuário, uma arca cheinha de histórias, para um possível espetáculo teatral futuro.
Por que se há de concordar, o teatro contemporâneo, no qual tem cabido tudo e qualquer tendência, comporta também histórias a serem contadas, mesmo que não seguindo o começo-meio-fim tradicionais. Histórias para rir e para chorar, fragmentadas ou não, com forte fundamento na palavra proferida ou silenciosa, performática, muda.
Grupos como o Galpão (MG), já se serviram de depoimentos para erigir um trabalho cênico. E é justo nisso que queremos averiguar: o que torna uma história interessante? Como uma narrativa gera interesse, prende a atenção?
Contar histórias pressupõe o diálogo, um Eu-Tu, como dizia Martin Buber. Alguém fala, alguém escuta e compreende ou, pelo menos, busca compreender. Alguém interpela, alguém responde. Trata-se de uma relação, um entendimento, um encontro entre seres: aquele (ou aqueles) que não viu, não soube, não estava lá e aquele (ou aqueles) que testemunhou, que vivenciou, que ouviu dizer.
A palavra tem aí, a princípio, papel preponderante, essencial.
Por meio dela, eu, jovem ouvinte, dialogando com o velho narrador, portador de historias várias, fico sabendo de como era antes de mim, me ligo a um passado por mim não vivido, mas que nem por isso deixa também de me pertencer. Compreendendo por esta via narrativa os percursos anteriores aos meus, e a história que não era minha até então passa aí a também me pertencer.

Quiercles Santana

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

As boas vindas

O pensador francês Paul Ricoeur costumava afirmar que “o tempo só se torna humano através da narrativa”. É neste sentido que o tempo aqui nos interessa, enquanto conjunto de narrações, personagens, paisagens, clímax e peripécias. As histórias das pessoas, especialmente as saturadas de tempo, as que carregam marcas temporais indisfarçáveis (seus encontros e desencontros, suas perdas e ganhos, suas esperanças e desilusões), constituem para nós, gente de teatro interessada em contar histórias, arsenais de possibilidades para a arquitetura de um espetáculo por vir.

Em 2009 aprovamos um projeto de pesquisa no I Edital de Fomento às Artes-Cênicas da Prefeitura da Cidade do Recife.

Este blog é o primeiro passo para a consumação de nossos compromissos, não tanto com a prefeitura como com os nossos sonhos; ele marca o começo de um percurso que culminará com um documentário sobre histórias de vidas (uma série de entrevistas devem ser feitas e registradas em vídeo até o começo de 2012).

Assim (também, mas não somente) é um diário de bordo. Semanalmente, registraremos neste sítio as dificuldades, expectativas e impressões da viagem até que ela chegue ao fim.

No entanto, mais que isso, neste espaço diminuto, se pensará o tempo. Não exatamente o Tempo maior, Tempo com “T” maiúsculo, Tempo incomensurável dos astros e galáxias vagantes em seus destinos incertos, mas primordialmente o tempo humano, o tempo ínfimo de uma existência humana, salvaguardada em narrativas, canções, parlendas, reminiscências.

Cheguem, leiam, comentem, e partilhem as histórias que virão à tona nestes próximos encontros. 


Quiercles Santana