Há mistério nas coisas, mesmo nas mais cotidianas e banais. A linguagem, por exemplo, não deixa de ser um, mesmo sendo um instrumento por nós usado incessantemente, mesmo estando todos mergulhados nela até o âmago. Mas isso não esmaece o mistério, pelo contrário apenas o amplia. Vejamos como um homem submerge em suas reminiscências e traz, por meio da linguagem, imagens nuançadas de sua infância; como ele vê e, por meio da fala, nos faz ver também o que somente ele presenciou: outros dias, outras vidas, outras paisagens e pessoas.
As narrativas produzem sentido e conhecimento do mundo por meio da linguagem. Ela nos torna também sujeitos das ações que nos são narradas, nos atraem em suas tramas, nos comovem, nos sobrepujam, nos enlaçam. Dimensões espaciais e temporais nela fazem ninho e nos aninham; quando nos damos conta, lá vamos nós embarcados em outras águas.
De súbito, não estamos mais na sua sala de estar. Corremos com ele pelas ruas poeirentas, pescamos com ele no inverno piscoso, jogamos bola, presenciamos o amor palpável pelo pai, a emoção nos instantes derradeiros da mãe tuberculosa, quando só contava oito anos, passeamos nos ônibus puxados a cavalo, pegamos com ele o trem matutino, comemos com ele o pão, descobrimos com ele o esquecimento do documento valioso, compartilhamos de suas angústias, medos e esperanças.
A uma narrativa os gregos davam o nome de Mythos (enredo, trama, intriga). Uma história é um registro de jornada (cômica ou trágica ou tragicômica), que ora nos faz rir, ora nos faz chorar (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Estudiosos se debruçaram sobre o fenômeno: Propp, Lévi-Strauss, Greimas, Ricoeur, Barthes... Mas quem chegará a um veredicto correto, perfeito, exato? As narrativas são mediações entre dois momentos: um ponto de partida e outro de chegada. Sim, sabemos, mas isso explica muito? Esclarece tudo?
Não.
O que não dá, contudo, é para ignorar que - como agora, frente a frente com o ex-padre Reginaldo Veloso, no Morro da Conceição - um homem se identifica com a sua história, um homem na verdade é a sua história, com tudo o que isso possa implicar: diversidade de circunstâncias, objetivos, iniciativas, indecisões, perspectivas, tomadas de decisão, arrependimentos, reviravoltas e conseqüências delas decorrentes.
“Vejo nas intrigas que inventamos o meio privilegiado mediante o qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa, informe e, no limite, muda” (Paul Ricoeur).
Não dá para discordar. Ou dá?
Quiercles Santana
As narrativas produzem sentido e conhecimento do mundo por meio da linguagem. Ela nos torna também sujeitos das ações que nos são narradas, nos atraem em suas tramas, nos comovem, nos sobrepujam, nos enlaçam. Dimensões espaciais e temporais nela fazem ninho e nos aninham; quando nos damos conta, lá vamos nós embarcados em outras águas.
De súbito, não estamos mais na sua sala de estar. Corremos com ele pelas ruas poeirentas, pescamos com ele no inverno piscoso, jogamos bola, presenciamos o amor palpável pelo pai, a emoção nos instantes derradeiros da mãe tuberculosa, quando só contava oito anos, passeamos nos ônibus puxados a cavalo, pegamos com ele o trem matutino, comemos com ele o pão, descobrimos com ele o esquecimento do documento valioso, compartilhamos de suas angústias, medos e esperanças.
A uma narrativa os gregos davam o nome de Mythos (enredo, trama, intriga). Uma história é um registro de jornada (cômica ou trágica ou tragicômica), que ora nos faz rir, ora nos faz chorar (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Estudiosos se debruçaram sobre o fenômeno: Propp, Lévi-Strauss, Greimas, Ricoeur, Barthes... Mas quem chegará a um veredicto correto, perfeito, exato? As narrativas são mediações entre dois momentos: um ponto de partida e outro de chegada. Sim, sabemos, mas isso explica muito? Esclarece tudo?
Não.
O que não dá, contudo, é para ignorar que - como agora, frente a frente com o ex-padre Reginaldo Veloso, no Morro da Conceição - um homem se identifica com a sua história, um homem na verdade é a sua história, com tudo o que isso possa implicar: diversidade de circunstâncias, objetivos, iniciativas, indecisões, perspectivas, tomadas de decisão, arrependimentos, reviravoltas e conseqüências delas decorrentes.
“Vejo nas intrigas que inventamos o meio privilegiado mediante o qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa, informe e, no limite, muda” (Paul Ricoeur).
Não dá para discordar. Ou dá?
Quiercles Santana
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