domingo, 18 de setembro de 2011

Os Nossos

Ainda não começou, mas já está em andamento. Não tem produto, mas tem trabalho (a ponto de gerar este post). O primeiro passo demos há alguns dias: escolher. Tarefa que mexe com a gente, pois, numa infinidade de possibilidades, escolher uma é descartar todas as outras. E quão cruel é isto quando falamos em pessoas, memórias, histórias.
Selecionamos possíveis entrevistados, em número menor do que desejávamos, em quantidade maior que o razoável para o tempo de trabalho que temos.
"Possíveis" porque é nosso interesse compartilhar com tais sujeitos, ao mesmo tempo que não há certezas sobre tais possibilidades, pois
  •  não sabemos se todos estes personagens estão vivos - há alguns que ainda sairemos no encalço - tampouco sabemos se nos próximos dias ainda estarão/estaremos; (Digressão: Ao tratarmos da memória sobre o passado, aparentemente na ótica de uma vida próxima ao fim -  considerando que o tempo que já se caminhou é maior do que resta a caminhar - , perguntamos inevitavelmente quanto de caminho ainda há para eles e para nós mesmos.)
  • não os consultamos previamente - a maioria - quanto ao seu interesse em compartilhar conosco suas memórias;
  • não temos a certeza que acessaremos as histórias dos fulanos e fulanas que tanto nos instigam;
  • por último: a câmera, presença nem sempre gentil aos olhos depoentes.
Embora, é verdade, alguns são generosos e já nos brindam cotidianamente, de forma espontânea - como não viajar nas descobertas urbanas da d. Francisca ou nas travessuras infantis do s. Pedro?
São estes cosmos que nos movem nesta pesquisa. Estes topos que nos alicerçam.
Quanto aos personagens desta nossa narrativa mosaica, ao longo do processo de coleta, iremos apresentando os fulanos e fulanas de nossa caminhada. Sim, quase todos caminharam ou caminham conosco, ao menos cruzamos trilhas, breves que sejam. E é por esta razão que os selecionamos, por já termos sido tocados por suas histórias ou personas, divertidas, curiosas, esdrúxulas, supreendentes, comoventes e cheias de alma, quase sempre ocultas no dia a dia das casas e famílias comuns do Recife.
Que esta pequena seleção seja imensa.
Até os próximos dias.

Ana Paula Sá

sábado, 17 de setembro de 2011

Vasculhando no Outro

 Teatro não precisa a priori ser narrativo, não necessariamente tem de contar uma história. Está aí o chamado Teatro Pós-Dramático (nos ocuparemos mais detidamente sobre ele em um futuro artigo), cuja poética se detém antes em passar para o primeiro plano os elementos plástico-visuais do espetáculo - ou seja, a luz, o movimento, a música, as cores, recortes de textos, a proxêmica, a cinésica, os objetos, máscaras, as sonoridades, etc., - do que propriamente contar um enredo, desenvolver uma trama, no sentido mais clássico do termo.
            Não negamos essa possibilidade de criação (quem quiser se aprofundar no assunto deve consultar O Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann, recentemente publicado pela Cosac & Naif), contudo, o foco de nosso interesse é de fato a narratividade, mais especificamente o memorialístico. Por isso, o público-alvo é gente já vivida, com lembranças de paisagens que se transformaram com o passar do tempo e que hoje compõem o nosso cenário citadino. Essas histórias, essas reminiscências, servirão de estuário, uma arca cheinha de histórias, para um possível espetáculo teatral futuro.
Por que se há de concordar, o teatro contemporâneo, no qual tem cabido tudo e qualquer tendência, comporta também histórias a serem contadas, mesmo que não seguindo o começo-meio-fim tradicionais. Histórias para rir e para chorar, fragmentadas ou não, com forte fundamento na palavra proferida ou silenciosa, performática, muda.
Grupos como o Galpão (MG), já se serviram de depoimentos para erigir um trabalho cênico. E é justo nisso que queremos averiguar: o que torna uma história interessante? Como uma narrativa gera interesse, prende a atenção?
Contar histórias pressupõe o diálogo, um Eu-Tu, como dizia Martin Buber. Alguém fala, alguém escuta e compreende ou, pelo menos, busca compreender. Alguém interpela, alguém responde. Trata-se de uma relação, um entendimento, um encontro entre seres: aquele (ou aqueles) que não viu, não soube, não estava lá e aquele (ou aqueles) que testemunhou, que vivenciou, que ouviu dizer.
A palavra tem aí, a princípio, papel preponderante, essencial.
Por meio dela, eu, jovem ouvinte, dialogando com o velho narrador, portador de historias várias, fico sabendo de como era antes de mim, me ligo a um passado por mim não vivido, mas que nem por isso deixa também de me pertencer. Compreendendo por esta via narrativa os percursos anteriores aos meus, e a história que não era minha até então passa aí a também me pertencer.

Quiercles Santana