sábado, 17 de setembro de 2011

Vasculhando no Outro

 Teatro não precisa a priori ser narrativo, não necessariamente tem de contar uma história. Está aí o chamado Teatro Pós-Dramático (nos ocuparemos mais detidamente sobre ele em um futuro artigo), cuja poética se detém antes em passar para o primeiro plano os elementos plástico-visuais do espetáculo - ou seja, a luz, o movimento, a música, as cores, recortes de textos, a proxêmica, a cinésica, os objetos, máscaras, as sonoridades, etc., - do que propriamente contar um enredo, desenvolver uma trama, no sentido mais clássico do termo.
            Não negamos essa possibilidade de criação (quem quiser se aprofundar no assunto deve consultar O Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann, recentemente publicado pela Cosac & Naif), contudo, o foco de nosso interesse é de fato a narratividade, mais especificamente o memorialístico. Por isso, o público-alvo é gente já vivida, com lembranças de paisagens que se transformaram com o passar do tempo e que hoje compõem o nosso cenário citadino. Essas histórias, essas reminiscências, servirão de estuário, uma arca cheinha de histórias, para um possível espetáculo teatral futuro.
Por que se há de concordar, o teatro contemporâneo, no qual tem cabido tudo e qualquer tendência, comporta também histórias a serem contadas, mesmo que não seguindo o começo-meio-fim tradicionais. Histórias para rir e para chorar, fragmentadas ou não, com forte fundamento na palavra proferida ou silenciosa, performática, muda.
Grupos como o Galpão (MG), já se serviram de depoimentos para erigir um trabalho cênico. E é justo nisso que queremos averiguar: o que torna uma história interessante? Como uma narrativa gera interesse, prende a atenção?
Contar histórias pressupõe o diálogo, um Eu-Tu, como dizia Martin Buber. Alguém fala, alguém escuta e compreende ou, pelo menos, busca compreender. Alguém interpela, alguém responde. Trata-se de uma relação, um entendimento, um encontro entre seres: aquele (ou aqueles) que não viu, não soube, não estava lá e aquele (ou aqueles) que testemunhou, que vivenciou, que ouviu dizer.
A palavra tem aí, a princípio, papel preponderante, essencial.
Por meio dela, eu, jovem ouvinte, dialogando com o velho narrador, portador de historias várias, fico sabendo de como era antes de mim, me ligo a um passado por mim não vivido, mas que nem por isso deixa também de me pertencer. Compreendendo por esta via narrativa os percursos anteriores aos meus, e a história que não era minha até então passa aí a também me pertencer.

Quiercles Santana

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