sábado, 7 de janeiro de 2012

Breve comentário sobre a vida

"E o vento vai levanto tudo embora..." Renato Russo, Vento no Litoral

    As árvores adoecem e são derrubadas. As pessoas nascem. Os pilares ruem, as casas são reformadas, pessoas mudam de endereço, pessoas morrem, de velhice, de doença, de chofre. Crianças são geradas. A casa se esvazia. Pessoas regressam a seu lar, a casa se enche de risos, gritos, solicitações. Essa é a dinâmica. 

    Não há tristeza que dure para sempre, nem alegria sem fim. As irmãs Monte dão depoimento sobre esta Verdade. A matriarca que faz falta, as crianças que chegam para alegrar a casa. O companheiro que deixa saudades, o que me merecia um castigo, outro que ora está aqui, ora acolá.

    Infelizmente as agendas incompatíveis, o tempo estendido, a ausência de uma personagem.

    Lembranças das paqueras, da construção de obras importantes na cidade, dos bailes de carnaval, das fugas, dos namoros. Bons tempos que elas sabem contar melhor.

Ana Paula Sá

Quem nunca sonhou junto com o palhaço?

A alegria do palhaço é quando o circo pega fogo.

     "Pegar fogo" ou "ver o circo pegar fogo" são expressões ainda usadas, ao menos no meu cotidiano. Dia desses, talvez por um trabalho escola, uma criança da família nos indagava em busca de ditos populares. Este passou batido, creio, embora seja expressão muito utilizada por minha mãe. Tem gente que gosta de ver o circo pegar fogo, tem gente que põe lenha na fogueira e tem criança que, em companhia certa (ou em certas companhias), pega fogo, não é verdade?

    Dias atrás entrevistamos o palhaço Pinóquio, que proferiu a frase inicial.

    É cada vez mais frequente encontrarmos discursos sobre a decadência dos circos e seus artistas. Lembro de alguns espetáculos vistos em 2011 sobre o tema: Palhaços, o reverso do espelho, com Sóstenes Vidal e Williams Sant'Anna, dirigo por Célio Pontes; O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, com Andrêzza Alves e Gilberto Brito, dirigido por Carlos Carvalho; A Céu Aberto Circo Pano de Roda Lona Estrela Boca Calada, encenado pela Cia. 2 em Cena, dirigido por José Manoel Sobrinho; Porque a criança cozinha na polenta?, encenado pela Cia. Munguzá de Teatro, dirigido por Nelson Baskerville - aparecendo a decadência do circo apenas com estopim para uma trama mais complexa e alheia a este espaço.

     Na contramão da decadência, encontramos a Cia. Circunstância (MG), com espetáculos de rua que exaltam a magia e a alegria do circo e seus componentes. Vale a pena conferir http://www.ciacircunstancia.com.br/
    
    Recentemente nos cinemas, O Palhaço, filme de Selton Mello, narrativa bela sobre o universo circense e artístico. Parabéns ao Selton Mello pela  sensibilidade na criação.

    Ao largo das releituras em espetáculos, Recife recebeu, ao longo do ano, diversas temporadas de circos nacionais e internacionais. Apesar das dificuldades, o que vemos é que os circos continuam encantando e atraindo público. 

    Após a conversa com Pinóquio, ou melhor, com Josué Pereira de Souza, certa curiosidade pelo "pano de roda" me assaltou com mais afinco, ao mesmo tempo que se instalou a alegria de saber ainda haver interesse por mágicos, palhaços, malabaristas. Esse universo lúdico e fantástico, com maior ou menos requinte, com certeza é responsável por boas lembranças, pelo estímulo a ir mais longe. Fugir com o circo pode ser real ou metafórico.

    E o palhaço o que é?

Ana Paula Sá

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Das coisas que são lembradas e esquecidas, ou o inverso

"... se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida." (Chico Buarque. Leite Derramado. 2009, p.184)

      Com este mote de Chico Buarque, comento um tema sugerido para este trabalho, entretanto, abandonado antes mesmo de ser aceito: Alzheimer. É fácil encontrar pessoas vitimadas por esta doença, há médicos especializados em tal, quase todas as famílias com idosos apresentam um caso clínico. Por esta razão o mal tem se tornado elemento de comentários em bate papos, palestras, fóruns sobre envelhecimento e qualidade de vida, até mesmo tem logrado espaço no campo artístico. Embora não tenhamos elencado nenhum entrevistado(a) diagnosticado, o pensamos e, entre os elencados ditos saúdáveis, há o "alemão" espreitando ou já instalado em parentes.
       A epígrafe que abre esta postagem é fala de um personagem acometido pelo mal, no texto de Chico Buarque. Este Eulálio narra no texto suas memórias, em um presente idoso que se mescla ao passado reiteradamente. Os deslocamentos no discurso da personagem reproduzem as tramas não lineares dos pensamentos e memórias. Curioso que, ao longo de nossas entrevistas percebemos nos entrevistados a tentativa árdua de organizar linearmente suas memórias ou, ao menos, o discurso sobre as mesmas. "Começar do começo", pelo que aconteceu primeiro foi algo que todos - sem exceção - fizeram. Obviamente, por se tratar de depoimentos e não de ficção, nas ocasiões em que foi necessário repetir a resposta, em virtude de algum problema técnico - interrupção externa, barulho no ambiente, variação de luz - as memórias já não se repetiam na íntegra. Algo se perdia, algo era sintetizado, o entusiasmo já não era o mesmo. (É uma pena só ter uma câmera)
       Foi apostando nestes lapsos e reconexões que a Cia do Hiato (SP) criou o espetáculo O Jardim, apresentado em Recife durante o Festival Recife do Teatro Nacional 2011. O enredo apresenta as memórias de uma senhor com Alzheimer, a vida presente de um certo Thiago, a neta do Thiago falando sobre a destruição da casa de seus antepassados, consequentemente, destruição também de sua memória. Explorando os ecos, os hiatos, a lógica não cartesiana, o espetáculo utiliza da simultaneidade de certas cenas (e dos tempos) e permite que a plateia escolha por onde começa sua versão - dependendo de onde você senta, varia o tempo que você acompanha primeiro. É necessário assistir! (Não à tôa o diretor foi premiado pela APCA) http://www.youtube.com/watch?v=RCn0eAX3ORs
       Pincei uma fala para escrever um texto para o blog: "As coisas duram mais que a gente." Minha memória também falha e pode não ter sido assim, mas foi neste sentido.
      Realmente é doloroso que as coisas durem mais que as pessoas, mas isto também pode significar que alguma parte das pessoas permanece enquanto duram as coisas. Todas as obras de arte e objetos ou invenções, ou descendentes, criados ou produzidos por autores que, a parte de suas obras, já não vivem mais.
      Na mesma feliz semana que vimos O Jardim, ouvimos Marina Colassanti (II Mostra Sesc de Literatura Contemporânea - Sesc Santa Rita) dizer que escritor escreve numa tentativa de resistir ao tempo, de durar mais do que o pouco que lhe é dado viver, e, aos setenta anos, esta senhora se diz  consciente de ter menos tempo que o já passado. Esperanças e desejos para o futuro: receber a morte sem amargura.
     Para fechar este texto já sem pé nem cabeça, perdido entre o começo e o fim, a fala de um Pinóquio "Eu sou feliz, porque sei que vou morrer. Se não soubesse, talvez não fosse feliz."


Dedicado a Meire.

Ana Paula Sá