sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um poeta não morre no dia em que falece


"Creio com crença que não se aprende a ser poeta.
Não conheço poeta que antes não o tenha sido.
Porque é coisa do espírito, este é a sua fonte.
Aprende-se a fazer versos, não a ser poeta.
Porque o poeta, com o seu espírito, é anterior ao seu verso."
Geraldino Brasil

Em 1996 nos perdemos de Geraldino Brasil. Lá se foi o poeta. Cá ficamos nós. Muitos, inclusive, ignorantes da perda. Se ainda vivo, seria um forte candidato a participar de nosso documentário, contar suas lembranças, recitar sextinas, falar das coisas vistas e vividas.  
Não o conheci pessoalmente. Na verdade só soube de sua existência no dia do falecimento. Eu tinha nesse tempo pouco mais de vinte anos. Mas lembro de ter ficado bastante comovido com as várias homenagens que lhe fizeram os amigos no Diário de Pernambuco e Jornal do Commércio. Sempre falas emocionadas, pungentes, doídas. Eles sabiam dimensionar o tamanho do prejuízo.
Um desses textos-tributo era intitulado, se não me falha a memória, “Um poeta não morre no dia em que falece” (sabe Deus quem era o autor), sobre o fato de uma pessoa só morrer realmente no dia em que morre a última pessoa que dele se lembrar - filhos, netos, amigos, conhecidos, parentes, vizinhos, o padeiro, o dono da quitanda. Ou talvez nem assim por que pode muito bem ocorrer de um tataraneto contar aos seus netos uma história ou poema de Geraldino. E isso seria, de certa forma, mantê-lo ainda vivo, mesmo que de forma atenuada. Como uma pedra sacudida no lago gera círculos concêntricos, assim a data de morte gera uma reação através do tempo que só se dissipa num futuro indeterminado.
Morrer totalmente é ser completamente olvidado.
Se considerarmos que um documentário estende para o futuro a imagem de alguém (que não é de maneira nenhuma a pessoa, mas deixa ali naqueles poucos instantes um semblante, uma voz, um movimento, um olhar, uma cor, uma melodia), podemos daí inferir que a morte, para os participantes de um filme, não é de todo vitoriosa.
Pensemos em alguém que permanece, mesmo ausente. Chaplin, por exemplo, em “O Garoto”. Rimos e choramos com as peripécias de um homem a tomar conta de uma criança que não é sua no começo, mas que se torna muito sua na medida em que o filme caminha para o fim. Não estamos diante do Carlitos. É só uma imagem, o registro magnético-mecânico, mas que salvaguarda para nosso deleite traços, trejeitos e ações do homem que jamais conhecerei.
Claro, uma obra audiovisual não é a mesma que uma literária. Mas não estamos aqui falando das diferenças. Mas das semelhanças. Num filme de Chaplin ou num poema de Geraldino está salvaguardada a luta contra o esquecimento e assim, portanto, contra a morte.

Quiercles Santana.

Para quem quiser conhecer um pouco mais do poeta alagoano radicado em Recife é só acessar:


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Folha em Branco


Se Sherazade, ao invés de contadora de histórias fosse escritora, teria imaginado tantos contos, em tão curto espaço de tempo? Um conto por noite seria possível, se ao contrário de narrar ela tivesse escrito? Quantas noites levaria refazendo cada uma das narrativas, procurando acessar o indizível por meio de palavras?
A folha em branco é um desafio permanente. Plena de possibilidades, rejeita a virgem brancura porque quer ser mais, quer marcas, traços, garatujas, impressões. 

De olho fixo na página em branco, na sua alvura ímpar e provocadora, o desenhista e o pintor imaginam cores, linhas, desenhos, figuras e paisagens. No caso do escritor, ele também pensa em figuras e paisagens, que devem ser produzidos por meio do ajuntamento poético de letras, palavras, frases, parágrafos, páginas, episódios, capítulos, tomos, volumes.


O vazio da página inquire sobre o ser do escritor, sobre as suas impressões de mundo.


Escrever é de novo um recomeço. E no recomeço há essa indagação peremptória: O que há para se contar? No que pode ser isso melhorado? E isso requer refazer, burilar, lapidar, polir, melhorar, aperfeiçoar a textura do texto, o tecido da trama, o traço.


“Ao escrevermos”, disse Deleuze, “como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro”.
Quiercles Santana

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Prazeres da vida


Acendedor de lampião de rua, telegrafista, abridor manual de comportas, pianista de filme mudo, datilógrafo, consertador de guarda-chuvas... algumas profissões desapareceram definitivamente. Outras estão em vias de sumir. Mas não se inclua nem numa categoria nem na outra o ofício de parteira.
As parteiras, não. Elas estão em alta. Dona Prazeres que o diga. Senhorinha com mais de 70 anos, quase não conseguimos entrevistá-la. Vive batendo perna por ai, ajudando nas dores, a Prazeres. A mãe era parteira. Deu para ser parteira também, tomou gosto ainda nova. Depois que o marido morreu, depois que se aposentou como enfermeira, foi dedicar a vida na lida de ajudar as mães nos trabalhos de parto.
Que grata surpresa encontrá-la semana passada em sua casa em Sucupira! Toda sorridente e falante, abriu o coração, a sua história e riu, chorou, filosofou, viajou até a infância, contou histórias que noutras se entrelaçam, mostrou suas plantas, suas mãos, sua vida de puxar outras para dentro da maior, da que tem "V" maiúsculo. Mais de 5.000 pessoas vieram ao mundo com a ajuda dela.
Foi um prazer, Prazeres! Foi um prazer!
 Quiercles Santana
http://www.youtube.com/watch?v=DfAh_mR5rV8

A ONDE VAMOS

Depois de alguns ensaios, no final de outubro realizamos entrevista com Zezé Lemos - mãe, professora aposentada, "não-artista", como ela se definiu, andarilha convicta, no meu entender.
Como Zezé chegou nessa história nossa? Estávamos na Fenearte 2011 e paramos para observar uns quadros. A simpática senhora veio de lá e emplacou uma conversa conosco, de como começou a pintar depois que se aposentou, apresentou as obras de sua filha, Luciana - iluminada duas vezes no nome - e nos conquistou. Um cochicho entre Quiercles e eu, o convite feito e aceito.
Entre julho (o convite) e outubro (a realização), muitas andanças, de ambas as partes-  Zezé com suas pinturas, exposições, viagens; a equipe do Ruas e Quintais - como abreviada e carinhosamente chamamos o projeto - com nossas idas e vindas junto ao Conselho (Municipal de Cultura - Salve Rita de Cássia Nery), com relatórios, solicitações, contratação de equipe, filmagens várias.
Nesse "ensaio" de agendamento da entrevista me perguntei muito a respeito do que passaria no imaginário daquela senhora: receber em sua casa pessoas desconhecidas. Quantas? Cinco. Seria um assalto, um trote, pessoas bem ou mal intencionadas?

Há perguntas recorrentes, por parte dos entrevistados ou parentes: terão acesso a este material? Onde isso será divulgado?
Quando percebem, então, que será exibido em cinema - porque esta é uma das nossas intenções - ficam desconfortáveis, julgam não haver motivos suficientes para isso. O que teria de extraordinário em suas histórias? Não tenho resposta. Apenas mais uma pergunta: há algo mais extraordinário, e ordinário ao mesmo tempo, que nascer, crescer, viver, contar e ouvir histórias, ser personagem, diretor, dramaturgo da própria vida?
Zezé é mais uma das figuras simpáticas que coletamos em nossas jornadas e, espero, como a própria disse, que não nos percamos nos caminhos. Então, fica o convite para viajar nos caçuás que a trouxeram a Pernambuco, pular a janela da sala de aula, fugindo da palmatória, ver o mar pela primeira vez, pescar no Rio Una, andar de jangada feita do tronco da bananeira, reconstruir o mundo através de suas tintas. 
Chamem os artistas.
Ana Paula Sá